Tuesday, May 29, 2007

«VENHAM VER», por F. Carvalho Rodrigues

«Contavam-me em Chelas, no vale de Chelas, perto do antiquíssimo Convento de Chelas, visitado por Aquiles, celebrado aos deuses por Vestais; mesquita e mais tarde local de arribação dos mártires S. Félix e Santo Adrião, que de dois em dois anos, pelo Tejo e pelo esteiro do Tejo em Chelas vinha a imagem de Nossa Senhora da Atalaia em peregrinação passar dois anos com as monjas. Garantem-me que a imagem que ainda está na Igreja de Chelas é a autêntica. Talvez. O certo é que a imagem vinha, de dois em dois anos, numa procissão de barcos. De barcos do Tejo, quando a natureza de Portugal se confundia e harmonizava com a natureza.
A tradição começou no ano da peste de 1503. Nesse ano os Alfandegários de Lisboa fizeram a primeira peregrinação pelo Tejo com o seu círio ao Santuário da Senhora da Atalaia. As cores e o desenho dos barcos do Tejo são a extensão da alegria de uma Pátria que tem claridade. Onde a sombra, por reflexo do sol no Tejo, ainda assim brilha de luz. As formas, as cores, o vento, as velas, a água, o arrais, os camaradas e o leme, sempre foram a mensagem do Tejo. Mensagem do estilo Atlântico. Mensagem de navegação e oração. Mensagem da extensão conforme de homem e de natureza.
Barcos do Tejo, variedade de cor, quebram as correntes do ar e as do rio que a outros aprisionam nas margens. Barcos do Tejo, busca de reconciliação. Barcos do Tejo, altares do movimento. Vi-os dos miradouros. Vi-os correr na borda de água. Vi-os do Castelo. Vi-os nos cais. Vi-os que transportavam mercadorias. Vi-os que levavam gentes. Vi-os no contrabando. Vi-os nos cercos e nas libertações. Vi-os correr de vento norte pela proa.
Depois. Depois, construíram duas pontes. Deixei de ver os barcos do Tejo. Vejo-lhes agora os cascos na Holanda. Vejo-os, também, em Inglaterra. Vejo-os na margem em terras portuguesas ao redor de Lisboa. Em Lisboa, não. Lisboa vejo plástico. Lisboa da fibra de vidro. Do euro que lhe vem fácil da venda da Pátria que lhe não repugna. Lisboa sem cais que sirvam os barcos do Tejo. Lisboa longe da natureza. Lisboa sem cultura portuguesa.
Mas, em redor, o povo dos arrais, dos camaradas, dos artífices e dos que amam o Tejo, resiste no amor, reforça a ambição da vida no equilíbrio de homem e de natureza. E mantem. E constrói. E ensina. E veleja. E chora. E de raiva grita por mais barcos do Tejo. Para que sabedorias antigas não desapareçam. Por cais para esses barcos. Por mais Tejo para os seus próprios barcos.
Em Julho não haverá mais barcos do Tejo. Mas nos dias da regata do Tejo entre a Moita e Vila Franca de Xira com regresso à Moita haverá mais cor de barcos do Tejo no Tejo. Venham ver, assistir ao espectáculo do equilíbrio milenar entre portugueses e a sua natureza. Venham ver a festa do quebrar do vento, do ar e das correntes da água do rio numa festa de cor e movimento partilhada pelos homens e pela natureza.
Venham ver a regata da cor, do amor, da natureza e da vida. É todos os anos, no Tejo, e em frente e nos cais da Moita e de Vila Franca de Xira.» F. Carvalho Rodrigues, in «Convoquem a Alma»

3 comments:

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Que bom que haja quem se dedique a preservar este tipo de tradições, da melhor forma possível: dando continuidade e revivendo...

LisbonGirl said...

Aqui estou! De alma convocada!:)

Rafael Silva said...

Já agora, permita-me a Sailor Girl perguntar ao Dr Carvalho Rodrigues se a frota do Clube da Moite estará disponível para navegar em Lisboa entre os dias 14 e 16 de Setembro.
Não tenho o seu contacto mas necessito urgentemente de lhe falar sobre isto.

Cumprimentos